Os Artistas e a Astrologia

Artistas são muitos sensíveis e vários usam a astrologia como ferramenta de orientação e autoconhecimento. A mega star Anita revelou em um entrevista que todos os anos viaja no dia de seu aniversário para um lugar específico diferente indicado por sua astróloga. Ela faz uso do que se chama Revolução Solar com deslocamento, visando ter um ano mais harmonioso.

A diva Madona é outra celebridade que, segundo se comenta, leva a astrologia muito a sério e até escolhe seus parceiros pelo signo. O dj David Guetta contou ela o excluiu de um projeto quando ele revelou que era de Escorpião. A cantora Taylor Swift não esconde que gosta do tema. Em uma entrevista ela declarou: “Sou sagitariana, o que significa, você sabe, sou cegamente otimista, adoro viajar, estou sempre pronta para a aventura, mas também quero algo novo.”

A apresentadora Angélica e a atriz Bruna Marquezine também se orientam pela astrologia, aliás, como muitos artistas, alguns até já abordaram a astrologia em alguma obra. Salvador Dali pintou os 12 signos, Vinícius de Moraes fez poesia para mulheres de cada um deles e Caio Fernando Abreu, que gostava muito de astrologia, abordou o tema em vários de seus textos, como este, que foi publicado em O Estado de S. Paulo, em 24/9/1986.

 

Zero Grau de Libra

Sobre todos aqueles que continuam tentando,
Deus, derrama teu Sol mais luminoso.


O sol entrou ontem em Libra. E porque tudo é ritual, porque fé, quando não se tem, se inventa, porque Libra é a regência máxima de Vênus, o afeto, porque Libra é o outro (quando se olha e se vê o outro, e de alguma forma tenta-se entrar em alguma espécie de harmonia com ele), e principalmente porque Deus, se é que existe, anda distraído demais, resolvi chamar a atenção dele para algumas coisas.

Não que isso possa acordá-lo de seu imenso sono divino, enfastiado de humanos, mas para exercitar o ritual e a fé — e para pedir, mesmo em vão, porque pedir não só é bom, mas às vezes é o que se pode fazer quando tudo vai mal. Neste zero grau de Libra, queria pedir a isso que chamamos Deus um olho bom sobre o planeta Terra, e especialmente sobre a cidade de São Paulo.

Um olho quente sobre o mendigo gelado que acabei de ver sob a marquise do cine Majestic; um olho generoso para a noiva radiosa mais acima. Eu queria hoje o olho bom de Deus derramado sobre as loiras oxigenadas, falsíssimas, o olho cúmplice de Deus sobre as jóias douradas, as cores vibrantes. O olho piedoso de Deus para esses casais que, aos fins de semana, comem pizza com fanta e guaranás pelos restaurantes, e mal se olham enquanto falam coisas como «você acha que eu devia ter dado o telefone da Catarina à Eliete?”— e o outro grunhe em resposta.


Deus, põe teu olho amoroso sobre todos os que já tiveram um amor sem nojo nem medo, e de alguma forma insana esperam a volta dele: que os telefones toquem, que as cartas finalmente cheguem. Derrama teu olho amável sobre as criancinhas demônias criadas em edifícios, brincando aos berros em playgrounds de cimento. Ilumina o cotidiano dos funcionários públicos ou daqueles que, como funcionários públicos, cruzam- se em corredores sem ao menos se verem — nesses lugares onde um outro ser humano vai-se tornando aos poucos tão humano quanto uma mesa.


Passeia teu olhar fatigado pela cidade suja, Deus, e pousa devagar tua mão na cabeça daquele que, na noite, liga para o CVV. Olha bem pelo rapaz que, absolutamente só, dez vezes repete Moon over Bourbon Street, na voz de Sting, e chora. Coloca um spot bem brilhante no caminho das garotas performáticas que para pagar o aluguel dão duro como garçonetes pelos bares. Olha também pela multidão sob a marquise do Mappin, enquanto cai a chuva de granizo, pelo motorista de táxi que confessa não ter mais esperança alguma. Cuida do pintor que queria pintar, mas gasta seu talento pelas redações, pelas agências publicitárias, e joga tua luz no caminho dos escritores que precisam vender barato seu texto — olha por todos aqueles que queriam ser outra coisa qualquer que não a que são, e viver outra vida que não a que vivem.


Não esquece do rapaz viajando de ônibus com seus teclados para fazer show na Capital, deita teu perdão sobre os grupos de terapia e suas elaborações da vida, sobre as moças desempregadas em seus pequenos apartamentos na Bela Vista, sobre os homossexuais tontos de amor não dado, sobre as prostitutas seminuas, sobre os travestis da República do Líbano, sobre os porteiros de prédios comendo sua comida fria nas ruas dos Jardins.

 Sobre o descaramento, a sede e a humildade, sobre todos os que de alguma forma não deram certo (porque, nesse esquema, é sujo dar-certo), sobre todos que continuam tentando por razão nenhuma — sobre esses que sobrevivem a cada dia ao naufrágio de uma por uma das ilusões.
Sobre as antas poderosas, ávidas de matar o sonho alheio. Não. Derrama sobre elas teu olhar mais impiedoso, Deus, e afia tua espada. Que no zero grau de Libra, a balança pese exata na medida do aço frio da espada da justiça. Mas para nós, que nos esforçamos tanto e sangramos todo dia sem desistir, envia teu Sol mais luminoso, esse Zero Grau de Libra. Sorri, abençoa nossa amorosa miséria atarantada.


Caio Fernando Abreu
(publicado em O Estado de S. Paulo, 24/9/1986)